. Alice no País das Maravil...
- O que é que “estar preso” quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que “estar preso” quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles fazem. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. - Ando à procura de amigos. O que é que “estar preso” quer dizer?
- É uma coisa que toda a gente esqueceu - disse a raposa. Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo... (...)
A raposa calou-se e ficou a olhar muito tempo para o principezinho.
- Por favor ... Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendermos a nós - disse a raposa. - Os homens, agora, já não tem tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- è preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
Era melhores teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade!
Antoine de Saint-Exupéry, O principezinho.
“Alice estava a começar a ficar farta de estar sentada ao lado da irmã na margem do rio e não ter nada que fazer: já tinha dado uma olhadela, uma vez por outra, ao livro que a irmã estava a ler, mas este não tinha ilustrações nem diálogos. «E para que serve um livro», pensou ela, «se não tem bonecos nem diálogos?»
Por isso ela estava a tentar decidir, da melhor forma que podia (pois o calor fazia-a sentir-se muito ensonada e estúpida), se o prazer de fazer uma coroa de margaridas valia a maçada de se levantar e de ir apanhá-las, quando, repente, um Coelho Branco com olhos cor-de-rosa apareceu a correr ao lado dela.
Não havia nada de muito extraordinário nisso; nem sequer Alice pensou que fosse assim tão estranho ouvir o Coelho dizer para consigo: «Meu Deus, meu Deus! Vou chegar atrasadíssimo!» (só mais tarde ao pensar nisso, é que se lembrou de que devia ter estranhado o que vira, pois, na altura, tudo lhe pareceu muito natural); mas, quando o Coelho tirou mesmo o relógio da algibeira do colete, viu as horas e continuou o seu caminho todo apressado, então é que Alice se pôs de pé num salto, pois de repente passou-lhe pela cabeça a ideia de que nunca tinha visto um coelho de colete, com um relógio de algibeira. A arder de curiosidade, pôs-se a correr pelo campo fora atrás dele e, felizmente, foi mesmo a tempo de o ver esgueirar-se para dentro de uma grande toca que havia debaixo dos arbustos.”
Lewis Carroll